COMUNIDADES LUSÍADAS
BRINCAR ÀS ESCOLAS
Segundo as declarações feitas na Assembleia pelo Sr.
Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas no passado mês de outubro,
durante os cerca de 35 anos de Ensino Português no Estrangeiro (EPE) sob tutela
do Ministério da Educação, os professores e alunos nada mais fizeram do que
andar a brincar às escolas, porque, ainda segundo o Sr. Secretário de Estado,
não havia programas, nem manuais adequados, nem certificação.
Realmente, é de espantar que tantos alunos tenham obtido
bons empregos porque dominavam o Português, aprendido com livros de má
qualidade didática e com professores que não sabiam bem o que andavam a fazer,
porque nem programas tinham.
E também admira que muitos alunos houve que foram
frequentar Universidades ou Institutos Superiores em Portugal ou no
estrangeiro, apresentando um certificado que, ao que parece, não existia,
embora valendo alguns créditos para matrícula no ensino superior.
Mais espantoso ainda é o facto de os atuais alunos de 9°
ou 12°ano, que obtêm ótimos resultados nas provas de certificação do Instituto
Camões, terem aprendido alguma coisa naqueles tempos soturnos, segundo o Sr.
Secretário de Estado, em que ninguém sabia bem o que se andava a fazer, ou
mesmo se algo se fazia, no Ensino Português no Estrangeiro.
Isto só até 2010, claro, porque a partir daí, tudo mudou.
O EPE saiu da tutela do Ministério da Educação e passou a ser responsabilidade
do Ministério dos Negócios Estrangeiros, via Instituto Camões.
E o referido Instituto, que só conhecia o ensino do
Português como língua estrangeira, tratou logo de tomar medidas para pôr ordem
no caos do EPE, despedindo, em dezembro de 2011, 49 professores e deixando,
depois de poucos meses de atividade letiva, mais de 5.000 alunos sem aulas. Depois
desta redução, o Camões continuou a “arrumar a casa”, tarefa agora mais fácil
por haver menos alunos e menos professores, instituindo a propina de pagamento
obrigatório para frequência dos cursos, medida que fez desaparecer logo mais de
800 alunos na Alemanha e cerca de 9.000 a nível mundial.
Claro que a esta redução de alunos correspondeu o
despedimento de 30 professores em 2012, ao qual se seguiram despedimentos
anuais de 20 e mais docentes, tornados desnecessários devido a forte redução do
número de horas letivas e também ao número cada vez maior de alunos exigido
para formar um grupo.
Assim, com a casa Ensino Português arrumada, porque quase
vazia, terminou-se também com o brincar às escolas e passou-se a brincar com as
escolas, isto é, com os professores, os pais e os alunos.
Aos pais, foi prometido que a propina lhes iria garantir
um ótimo ensino, com manuais de qualidade e uma certificação de alto nível. Aos
professores, foi prometida contratação por dois anos e formação adequada.
Foi aí que a brincadeira se tornou séria, porque bastou
um curto espaço de tempo para constatar que afinal os alunos cada vez tinham
menos tempo de aula, os manuais eram de utilização impossível, especialmente
para os alunos do primeiro ciclo, e a famosa certificação nem sequer era
reconhecida pelas entidades escolares locais.
Quanto aos professores, ficaram a saber que, para
manterem os postos de trabalho, tinham de conseguir alunos suficientes com os
pais a pagar, porque senão nada feito. E a formação adequada revelou ser um
amontoado de conceitos desfasados trazidos por indivíduos com currículo
universitário, mas sem qualquer experiência ou conhecimentos sobre o ensino do
Português nas Comunidades.
Mas como realmente não se brinca com coisas sérias, o
Camões, notando que a brincadeira já tinha ido longe demais e podia dar maus
resultados, decidiu que afinal os culpados da má qualidade de ensino e das
horas letivas reduzidas eram, afinal, os professores, porque estavam a
trabalhar menos do que deviam. Vejam só que vergonha! Então tinham-nos obrigado
a ensinar, em grupos amontoados, alunos de todas as idades, tinham-nos obrigado
a trabalhar em mais escolas e a passar horas sem fim em transportes, tinham-nos
obrigado a escrever relatórios em que muitos professores alertaram, sem
resultado, para o mau estado do ensino e agora os sem-vergonha trabalhavam
menos do que deviam, prejudicavam os alunos e intrujavam os pais! Escandaloso e
inaudito.
E para terminar, muito a sério. Não foram os professores,
que sempre deram e continuam a dar o seu melhor, trabalhando em condições
extremamente difíceis, que destruiram o ensino no estrangeiro e o puseram num
estado de descalabro total.
Quem leu este artigo até aqui, conhece os responsáveis. Responsabilizem-nos.
Com coisas sérias não se brinca.
Nuremberga, 20
de novembro de 2014
Maria Teresa
Duarte Soares
Sindicato dos
Professores nas Comunidades Lusíadas