OS PROFESSORES QUE
NINGUÉM QUER
Em Junho de 1938 reuniram-se na cidade de Evian, na Suíça, representantes
de 32 nações para regulamentar a situação dos judeus que desejavam deixar a
Alemanha, face ao perigo representado pelas leis anti-semitas. O impulso
inicial da conferência de Evian, de carácter humanitário, depressa desapareceu
perante o problema de ter de receber judeus não só oriundos da Alemanha, mas
também dos países da Europa de Leste, o que elevava a vários milhões o número
de refugiados a aceitar. Depois de uma primeira tentativa de os enviar
para Madagáscar, a situação tornou-se clara: ninguém os queria. A
Inglaterra alegava já se debater com problemas de desemprego e não poder
por isso acolher ninguém, a França receava choque religioso e cultural, etc.
Resumindo, fora alguns países da América Latina, ninguém quis receber os judeus
que a Alemanha considerava indesejáveis e o resultado é aquele que todos
conhecem: foram exterminados aos milhões nos campos de concentração e nas
câmaras de gás.
A conferência de Evian, e o seu triste resultado, fruto do egoísmo, da
indiferença e da ganância dos representantes de vários países é um
incidente vergonhoso na história dos mesmos.
Vergonhoso também é o que se está a passar com os professores do Ensino
Português no Estrangeiro (EPE), que o Camões I. P. não quer, pois todos os anos
arranja modo de reduzir em 20 ou 30 docentes um já diminuto contingente.
E, como agora, infelizmente, se constata, o Ministério da Educação e
Ciência (MEC) também não os quer, pois recusa a estes professores, que por lei
têm os mesmos direitos que os seus colegas em Portugal, a possibilidade de
serem opositores ao concurso para obtenção de colocação nos quadros das
escolas, terminando a contratação precária, segundo o determinado pelo Tribunal
Europeu em Bruxelas.
O MEC, vergonhosamente, recusa reconhecer os direitos dos
professores que durante 30 anos estiveram a seu cargo, tempo esse em que foram
sempre equiparados aos professores no país.
Utilizando, numa tentativa grosseira de reduzir o contingente de
professores a colocar, o pretexto de que os professores do EPE se encontram
desde 2010 sob a tutela do Camões I. P., ignora-os como se nunca tivessem
existido e como se não fossem funcionários públicos, exercendo funções num
sistema de ensino que continua estreitamente ligado, por legislação, ao sistema
de escola pública em Portugal.
Um óptimo exemplo de egoísmo e indiferença. Egoísmo, porque permite
apenas como candidatos os professores em Portugal. Indiferença, porque embora
conhecendo a precariedade do EPE, em que basta haver redução do número de
alunos para que o professor fique desempregado, opta por ignorar essa
realidade.
Entretanto, o Camões I. P. continua a pressionar e sobrecarregar
professores para que obtenham do maior número de encarregados de educação
possível o pagamento, com 6 meses de antecedência, da vergonhosa “propina”,
pois é da sua eficiência como vendedores da Língua e Cultura Portuguesas que
dependem os seus postos de trabalho.
A ganância é tal que é abertamente ignorada a situação de extrema
injustiça a que se encontram sujeitos pais, professores e alunos, pois há
apenas 3 países (Alemanha, Suíça e Reino Unido), em que os pais são obrigados a
pagar propina para que os seus filhos possam frequentar os cursos de Português.
Os restantes (França, Países Baixos, Bélgica, Espanha e metade do Luxemburgo)
ficaram isentos, seja por motivo do ensino se encontrar integrado, seja por
proibição das entidades escolares locais.
Esta injustiça, já de si gritante, agrava-se ainda mais se se tiver presente
que a verba obtida com a propina nos três países acima mencionados não financia
unicamente as despesas do ensino, como materiais didácticos e formação de
professores nestes últimos, mas é usada para os mesmos fins nos restantes
países da Europa, Estados Unidos da América, Canadá, Venezuela e Austrália,
países em que os encarregados de educação não prestam qualquer contribuição e
em que os professores não estão sujeitos à humilhação de terem de implorar, por
favor, aos pais que inscrevam os filhos e paguem a taxa, pois ficarão sem
emprego, caso não tenham alunos suficientes.
Estamos perante uma exploração injusta dos pais e dos professores. Poucos
pagam para muitos, uns são pressionados pela precariedade, enquanto outros
estão razoavelmente seguros.
Segundo o predisposto nas indicações dadas pelo Camões I. P., a receita
da propina ou taxa de frequência reverteria a favor das Coordenações de Ensino
dos países onde é paga. Constata-se agora que isso não acontece. Constata-se
também que não houve qualquer melhoria nas condições de ensino dos alunos que
pagaram, pois ao contrário do que tinha sido prometido, cada vez existem mais
grupos mistos com menos tempo de aula por semana.
E neste caos, neste emaranhado de meias-verdades, subterfúgios,
deslealdades e injustiças, quem protesta?
Os pais não; optam por enveredar pelo caminho mais fácil e retiram os
filhos dos cursos.
Os professores também não; receiam retaliação e perca de postos de
trabalho caso protestem.
O Conselho das Comunidades está mais ou menos inactivo.
Grupos políticos ligados à emigração parecem ter no momento outras
prioridades.
O extermínio do EPE na Europa é uma realidade. Mas, tal como sucedeu com
os judeus, aqueles que poderiam talvez evitar esse triste fim optam
por uma indiferença que terá consequências fatais, pois uma vez o sistema
destruído não será possível voltar a erguê-lo.
A destruição deste sistema de ensino é um facto patente. Porém, poucos parecem
querer reconhecê-lo e muito menos ainda evitá-lo.
Nuremberga (Alemanha), 23/03/2014
Maria Teresa Duarte Soares
Professora do EPE e
Secretária-Geral do SPCL (Sindicato dos Professores nas Comunidades
Lusíadas)