13/04/2014

EPE - Os Professores Que Ninguém Quer (SPCL, 23/03/2014)

OS PROFESSORES QUE NINGUÉM QUER


Em Junho de 1938 reuniram-se na cidade de Evian, na Suíça, representantes de 32 nações para regulamentar a situação dos judeus que desejavam deixar a Alemanha, face ao perigo representado pelas leis anti-semitas. O impulso inicial da conferência de Evian, de carácter humanitário, depressa desapareceu perante o problema de ter de receber judeus não só oriundos da Alemanha, mas também dos países da Europa de Leste, o que elevava a vários milhões o número de refugiados a aceitar. Depois de uma primeira tentativa de os enviar para Madagáscar, a situação tornou-se clara: ninguém os queria.  A  Inglaterra alegava  já se debater com problemas de desemprego e não poder por isso acolher ninguém, a França receava choque religioso e cultural, etc. Resumindo, fora alguns países da América Latina, ninguém quis receber os judeus que a Alemanha considerava indesejáveis e o resultado é aquele que todos conhecem: foram exterminados aos milhões nos campos de concentração e nas câmaras de gás.
A conferência de Evian, e o seu triste resultado, fruto do egoísmo, da indiferença e da ganância  dos representantes de vários países é um incidente vergonhoso na história dos mesmos.
Vergonhoso também é o que se está a passar com os professores do Ensino Português no Estrangeiro (EPE), que o Camões I. P. não quer, pois todos os anos arranja modo de reduzir em 20 ou 30 docentes um já diminuto contingente.
E, como agora, infelizmente, se constata, o Ministério da Educação e Ciência (MEC) também não os quer, pois recusa a estes professores, que por lei têm os mesmos direitos que os seus colegas em Portugal, a possibilidade de serem opositores ao concurso para obtenção de colocação nos quadros das escolas, terminando a contratação precária, segundo o determinado pelo Tribunal Europeu em Bruxelas.
O MEC, vergonhosamente, recusa  reconhecer os direitos dos professores que durante 30 anos estiveram a seu cargo, tempo esse em que foram sempre equiparados aos professores no país.
Utilizando, numa tentativa grosseira de reduzir o contingente de professores a colocar, o pretexto de que os professores do EPE se encontram desde 2010 sob a tutela do Camões I. P., ignora-os como se nunca tivessem existido e como se não fossem funcionários públicos, exercendo funções num sistema de ensino que continua estreitamente ligado, por legislação, ao sistema de escola pública em Portugal.
Um óptimo exemplo de egoísmo e indiferença. Egoísmo, porque permite apenas como candidatos os professores em Portugal. Indiferença, porque embora conhecendo a precariedade do EPE, em que basta haver redução do número de alunos para que o professor fique desempregado, opta por ignorar essa realidade.
Entretanto, o Camões I. P. continua a pressionar e sobrecarregar professores para que obtenham do maior número de encarregados de educação possível o pagamento, com 6 meses de antecedência, da vergonhosa “propina”, pois é da sua eficiência como vendedores da Língua e Cultura Portuguesas que dependem os seus postos de trabalho.
A ganância é tal que é abertamente ignorada a situação de extrema injustiça a que se encontram sujeitos pais, professores e alunos, pois há apenas 3 países (Alemanha, Suíça e Reino Unido), em que os pais são obrigados a pagar propina para que os seus filhos possam frequentar os cursos de Português. Os restantes (França, Países Baixos, Bélgica, Espanha e metade do Luxemburgo) ficaram isentos, seja por motivo do ensino se encontrar integrado, seja por proibição das entidades escolares locais.
Esta injustiça, já de si gritante, agrava-se ainda mais se se tiver presente que a verba obtida com a propina nos três países acima mencionados não financia unicamente as despesas do ensino, como  materiais didácticos e formação de professores nestes últimos, mas é usada para os mesmos fins nos restantes países da Europa, Estados Unidos da América, Canadá, Venezuela e Austrália, países em que os encarregados de educação não prestam qualquer contribuição e em que os professores não estão sujeitos à humilhação de terem de implorar, por favor, aos pais que inscrevam os filhos e paguem a taxa, pois  ficarão sem emprego, caso não tenham alunos suficientes.
Estamos perante uma exploração injusta dos pais e dos professores. Poucos pagam para muitos, uns são pressionados pela precariedade, enquanto outros estão razoavelmente seguros.
Segundo o predisposto nas indicações dadas pelo Camões I. P., a receita da propina ou taxa de frequência reverteria a favor das Coordenações de Ensino dos países onde é paga. Constata-se agora que isso não acontece. Constata-se também que não houve qualquer melhoria nas condições de ensino dos alunos que pagaram, pois ao contrário do que tinha sido prometido, cada vez existem mais grupos mistos com menos tempo de aula por semana.
E neste caos, neste emaranhado de meias-verdades, subterfúgios, deslealdades e injustiças, quem protesta?
Os pais não; optam por enveredar pelo caminho mais fácil e retiram os filhos dos cursos.
Os professores também não; receiam retaliação e perca de postos de trabalho caso protestem.
O Conselho das Comunidades está mais ou menos inactivo.
Grupos políticos ligados à emigração parecem ter  no momento outras prioridades.

O extermínio do EPE na Europa é uma realidade. Mas, tal como sucedeu com os judeus,  aqueles que poderiam  talvez evitar esse triste fim optam por uma indiferença que terá consequências fatais, pois uma vez o sistema destruído não será possível voltar a erguê-lo.
A destruição deste sistema de ensino é um facto patente. Porém, poucos parecem querer reconhecê-lo e  muito menos ainda evitá-lo.

Nuremberga (Alemanha), 23/03/2014

Maria Teresa Duarte Soares

Professora do EPE e Secretária-Geral do SPCL  (Sindicato dos Professores nas Comunidades Lusíadas)