"No dia 30
de Novembro fui chicoteada por telefone"
Em Janeiro [de 2012],
49 professores que dão aulas na Europa a filhos de emigrantes portugueses já
não voltarão às suas aulas. ADRIANO MIRANDA
Dão aulas a
filhos de emigrantes. Foi-lhes comunicado agora que em Janeiro [de 2012] já não
terão trabalho: "Vi a minha vida virada do avesso".
Manuela Antunes estava a caminho de uma das escolas espanholas onde dá aulas de Português quando, na terça-feira, lhe foi comunicado telefonicamente que já não teria emprego em Janeiro. Alexandra Sousa, que é professora na Suíça e tem um filho bebé, recebeu o mesmo aviso um dia depois, também por telefone.
Em Janeiro [de 2012], 49 professores
que dão aulas na Europa a filhos de emigrantes portugueses já não voltarão às
suas aulas na sequência das medidas de contenção orçamental adoptadas pelo
Ministério dos Negócios Estrangeiros, que desde 2010 tutela a rede de ensino de
Português no estrangeiro. Estas aulas são asseguradas por docentes contratados
e pagos pelo Estado português. Cerca de cinco mil alunos do ensino básico e
secundário ficarão sem aulas de Português.
A pedido do PÚBLICO, três professoras que leccionam no estrangeiro contaram como têm sido estes dias.
Alexandra de Sousa, 29 anos, é professora de Português na Suíça desde há quatro anos. Tem 120 alunos. Percorre diariamente 100 quilómetros para lhes dar aulas, em escolas diferentes:
"Sou uma apaixonada pela profissão. No dia 30 de Novembro fui chicoteada, por telefone, com a notícia de que a minha comissão de serviço terminaria no final do mês de Dezembro [de 2011]. Sem reacção, sem voz, sem força para me aguentar de pé, apenas consegui perguntar quais foram os critérios para a minha selecção. A resposta foi ambígua e pouco clara.
Instalei-me na Suíça com a minha família, aluguei casa,
comprei carro para ir trabalhar. Fizemos projectos, tivemos cá o nosso bebé e,
ainda em período de amamentação, eis a rica prenda que recebi. Voltar para
Portugal? Como posso voltar? Em Portugal não tenho escola. Em Portugal eu e o
meu marido não temos trabalho. Em Portugal não temos habitação. A partir de
Janeiro [de 2012] fico no desemprego e não sei que rumo terá a minha vida. Não
sei como vou dar resposta a todos os encargos que tenho aqui na Suíça.
Esta semana tenho enfrentado os
rostos revoltados, angustiados e entristecidos dos meus alunos. E, por uma vez,
brotam perguntas às quais não sei responder: "quem nos vai dar
aulas?"; "que vamos fazer a todo o material que comprámos?";
"se a senhora tem alunos por que motivo a mandam embora?"; "não
vai pelo menos acabar o ano lectivo connosco?"; "nunca mais vamos ter
aulas de Português?..."
São as dúvidas dos meus alunos, que simultaneamente são as minhas, e ninguém se digna a responder. Sinto-me profundamente revoltada e injustiçada".
Manuela Antunes, 47 anos, dá aulas
em Espanha há cinco. Tem alunos em quatro escolas e as deslocações entre elas
fazem com que percorra, semanalmente, 400 quilómetros:
"Apesar de não ser fácil era e continua a ser o trabalho mais gratificante que alguma vez tive. Nada me fez prever que uma desgraça destas me batesse à porta no final de um primeiro trimestre. Isto é desumano.
Esta situação foi-me comunicada no
dia 29 de Novembro [de 2011], quando me deslocava de uma escola para outra.
Desabei. Chorei. Vi a minha vida virada do avesso. Tenho uma casa para pagar,
um filho na universidade a quem sempre tentei que nada faltasse. Meu Deus,
pensava eu, como vou conseguir fazer face a isto tudo e muito mais? Nessa noite
não dormi. Penso em mim e em todos os que estão como eu a sofrer por algo que
não cometeram.
Em Portugal pertenço ao quadro de
agrupamento de Mangualde. Mas que tipo de trabalho me vão destinar em Janeiro
[de 2012]? Sinceramente, não sei o que vou fazer e o que é pior, não me apetece
fazer nada. Tenho tanto para dizer".
Teresa de Sousa, 40 anos, dá aulas, de terça a sábado, em cinco escolas situadas em localidades diferentes da Suíça. A que está mais perto fica a cinco quilómetros, a mais longe a 78. Todos os seus alunos são filhos de emigrantes. É professora há quatro anos:
"Os meus sentimentos, neste
momento, são de desespero, de raiva, nem sei explicar por que não é assim que
se fazem as coisas. Fui despedida por telefone: "lamento mas o seu
contrato acaba a 31 de Dezembro [de 2011]...".
Sou divorciada, tenho a meu cargo
uma filha de 10 anos. Vou ficar por aqui porque não vou tirar a minha filha da
escola agora e em Portugal eu própria não tenho uma escola onde regressar.
Antes de vir para a Suíça estava a trabalhar num ATL e despedi-me a pensar numa
vida e num futuro melhores para a minha filha".
França e Suíça perdem 40
Da França e da Suíça serão retirados
40 professores que actualmente pertencem à rede de ensino de Português no
estrangeiro. De Espanha sairão nove. Trinta e três ficarão no desemprego, os
outros 16 pertencem aos quadros de escolas portuguesas. Os seus horários tinham
sido fixados em Junho passado [de 2011].
O despacho que, na terça-feira,
eliminou cerca de 65 horários praticamente não abrangeu os cursos de Português
para filhos de emigrantes no Luxemburgo, Reino Unido e Alemanha. "Por
enquanto", adverte o Sindicato dos Professores nas Comunidades Lusíadas,
lembrando que o Instituto Camões, que gere esta rede, "já previu novos
cortes no fim do presente ano lectivo" [2011/2012].
Em resposta a questões do PÚBLICO no
início de Novembro [de 2011], o porta-voz do Ministério dos Negócios
Estrangeiros, que tutela este programa desde 2010, indicou que a rede
"deverá ser completamente reestruturada" não só por razões
orçamentais, mas também porque o sistema actual "não motiva os alunos e os
próprios pais, não contribui para a redução do insucesso escolar e é
injusto". A aposta passa por "desenvolver o maior número possível de
parcerias com associações e escolas privadas disponíveis."
Seria interessante entrevistar os professores passado um ano após esta catástrofe! Saber se estarão numa situação melhor
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