A gritante falta de visão estratégica e as
práticas dos governos face ao Ensino de Português no Estrangeiro (EPE)
No início de 2011 o PSD, na oposição, recolocava na ordem
do dia a necessidade de um outro relacionamento entre Portugal e as suas
Comunidades, no sentido de “superar atrasos, erros, omissões de décadas, que
têm marcado tão negativamente a imagem de Portugal junto das comunidades”.
A imagem negativa de Portugal tinha sido agravada pela
brutal ofensiva dos governos PS em matéria de políticas educativas, de língua,
cultura e identidade dirigidas à diáspora portuguesa, de que destacamos algumas
posições assumidas por altos responsáveis dessas políticas:
- O Dr. Luís Amado, ministro dos Negócios Estrangeiros na
tomada de posse da Presidente do Instituto Camões (IC), enunciava os
macro-objectivos inscritos na Resolução do Conselho de Ministros 188/2008 -
Estratégia de Reconhecimento e Promoção da Língua Portuguesa. Nesta estratégia,
acentuava-se a execução do programa do Governo, em termos de cumprimento da sua
estratégia de promoção e divulgação da língua e da cultura portuguesas à escala
mundial e, sobretudo, ao primado da estratégia do português enquanto língua de
comunicação internacional, em detrimento da língua portuguesa enquanto língua
identitária.
- O Dr. António Braga, secretário de Estado
das Comunidades, afirmava convictamente, aquando da passagem da tutela do
Ensino de Português no Estrangeiro (EPE) para o Ministério dos Negócios Estrangeiros
e Instituto Camões, que o ensino do português como língua materna/identitária
encontrava-se descentrado dos objectivos do Governo, defendendo mesmo, de forma
categórica, a necessidade dos pais portugueses residentes fora do território
nacional adoptarem a língua do país de residência na comunicação com os filhos.
O Secretário de Estado das Comunidades sustentava, além disso, o patriótico princípio
de que a primeira língua de socialização na Alemanha, para uma criança
luso-descendente, teria de ser obrigatoriamente o alemão.
- A Prof. Doutora Ana Paula Laborinho, presidente
do IC, entidade coordenadora e executora das políticas de língua, ensino e
cultura afirmava publicamente que “O ensino de português enquanto língua
materna podia acabar em alguns países porque o objectivo é a sua integração nos
sistemas de ensino no estrangeiro”. Estas declarações confirmavam tão-só, na
sua perspectiva e na do Governo, o fim do ciclo do ensino do português nas
comunidades e anunciavam a morte prematura da língua portuguesa enquanto língua
identitária nesses mesmos espaços, bem como a consequente morte de traços
fundamentais da cultura portuguesa.
Nas grandes Opções do Plano e no programa do governo
PSD/CDS evidenciam-se a estratégia e os objectivos de transformar “o ensino
como âncora das políticas dirigidas às comunidades” e de que “As Comunidades
Portuguesas constituem-se como uma prioridade absoluta no contexto da política
externa”.
Causa-nos, pois, profunda estranheza o facto de o PSD que,
na oposição, pretendia “superar atrasos, erros, omissões de décadas, que têm
marcado tão negativamente a imagem de Portugal junto das comunidades” venha, agora,
ao arrepio de princípios defendidos e de estratégias e objectivos programáticos
anunciados, anular concursos de professores, despedir dezenas de docentes e encerrar
cursos, deixando vários milhares de alunos sem aulas de língua e cultura
portuguesas. Surpreendente ainda, é ouvir hoje o atual secretário de Estado das
Comunidades, Dr. José Cesário, escudado no princípio da reciprocidade, delegar
a responsabilidade pelo ensino de português nos países de acolhimento. O Dr.
José Cesário deverá saber que as políticas e práticas assimilicionistas destes
países, sempre obstinada e conscientemente defendidas pelos anteriores governos
e pela presidente do Instituto Camões, conduzirão, a curto prazo, à extinção do
Português enquanto língua identitária e à integração total da cultura
portuguesa nas culturas dos países de residência.
Neste quadro contextual são, no mínimo, assombrosas as
declarações ao Jornal Público de 2011-11-14 de Miguel Guedes, porta voz do MNE:
“Não basta colocar professores junto de algumas comunidades na Europa, para se
poder dizer que há um verdadeiro modelo de ensino da nossa língua”, frisando
que “o ensino de Português no estrangeiro foi desde sempre fortemente
condicionado por uma gritante falta de visão
estratégica”.
Perguntamos, atónitos: a que verdadeiro modelo e a que
gritante falta de visão estratégica se referia a luminária figura do porta-voz
do MNE?
Será a visäo estratégica de vários governos em reduzir o
EPE a uma simples oferta de cursos e modalidades de ensino, omitindo,
sistematicamente, a existência de programas específicos para português enquanto
língua materna, a falta de formação científico-pedagógico dirigida à docência
do estrangeiro, independentemente do local de recrutamento, o investimento na
investigação científica em domínios ligados ao ensino de português para os
luso-descendentes e ainda ao cumprimento de uma a uma avaliação sistémica da
rede do EPE?
Temos afirmado e reafirmado há longos anos o facto de
Portugal nunca ter tido uma verdadeira política de língua, cultura e identidade
para a sua diáspora. Infelizmente, com os partidos políticos no poder tem
proliferado a retórica de circunstância e escasseado a ação. Os responsáveis
por isso têm nome e todos os governos em regime democrático acumularam, em tal
matéria, “omissões, erros e atrasos” que não podem ser esquecidos, para que a
História a fazer um dia saiba o que se passou.
Resta-nos uma pergunta: no atual e gravíssimo estado de
coisas por que passamos, ainda iremos a tempo?
Amadeu Batel
Linguista,
membro do Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP) e Presidente da Comissão
de Língua, Educação e Cultura do CCP
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