09/03/2012

Falta de visão estratégica do governo português face ao EPE (texto de Amadeu Batel - linguista, membro do CCP e presidente da Comissão de Língua, Educação e Cultura do CCP)


A gritante falta de visão estratégica e as práticas dos governos face ao Ensino de Português no Estrangeiro (EPE)
No início de 2011 o PSD, na oposição, recolocava na ordem do dia a necessidade de um outro relacionamento entre Portugal e as suas Comunidades, no sentido de “superar atrasos, erros, omissões de décadas, que têm marcado tão negativamente a imagem de Portugal junto das comunidades”.
A imagem negativa de Portugal tinha sido agravada pela brutal ofensiva dos governos PS em matéria de políticas educativas, de língua, cultura e identidade dirigidas à diáspora portuguesa, de que destacamos algumas posições assumidas por altos responsáveis dessas políticas:
- O Dr. Luís Amado, ministro dos Negócios Estrangeiros na tomada de posse da Presidente do Instituto Camões (IC), enunciava os macro-objectivos inscritos na Resolução do Conselho de Ministros 188/2008 - Estratégia de Reconhecimento e Promoção da Língua Portuguesa. Nesta estratégia, acentuava-se a execução do programa do Governo, em termos de cumprimento da sua estratégia de promoção e divulgação da língua e da cultura portuguesas à escala mundial e, sobretudo, ao primado da estratégia do português enquanto língua de comunicação internacional, em detrimento da língua portuguesa enquanto língua identitária.
- O Dr. António Braga, secretário de Estado das Comunidades, afirmava convictamente, aquando da passagem da tutela do Ensino de Português no Estrangeiro (EPE) para o Ministério dos Negócios Estrangeiros e Instituto Camões, que o ensino do português como língua materna/identitária encontrava-se descentrado dos objectivos do Governo, defendendo mesmo, de forma categórica, a necessidade dos pais portugueses residentes fora do território nacional adoptarem a língua do país de residência na comunicação com os filhos. O Secretário de Estado das Comunidades sustentava, além disso, o patriótico princípio de que a primeira língua de socialização na Alemanha, para uma criança luso-descendente, teria de ser obrigatoriamente o alemão.
- A Prof. Doutora Ana Paula Laborinho, presidente do IC, entidade coordenadora e executora das políticas de língua, ensino e cultura afirmava publicamente que “O ensino de português enquanto língua materna podia acabar em alguns países porque o objectivo é a sua integração nos sistemas de ensino no estrangeiro”. Estas declarações confirmavam tão-só, na sua perspectiva e na do Governo, o fim do ciclo do ensino do português nas comunidades e anunciavam a morte prematura da língua portuguesa enquanto língua identitária nesses mesmos espaços, bem como a consequente morte de traços fundamentais da cultura portuguesa.
Nas grandes Opções do Plano e no programa do governo PSD/CDS evidenciam-se a estratégia e os objectivos de transformar “o ensino como âncora das políticas dirigidas às comunidades” e de que “As Comunidades Portuguesas constituem-se como uma prioridade absoluta no contexto da política externa”.
Causa-nos, pois, profunda estranheza o facto de o PSD que, na oposição, pretendia “superar atrasos, erros, omissões de décadas, que têm marcado tão negativamente a imagem de Portugal junto das comunidades” venha, agora, ao arrepio de princípios defendidos e de estratégias e objectivos programáticos anunciados, anular concursos de professores, despedir dezenas de docentes e encerrar cursos, deixando vários milhares de alunos sem aulas de língua e cultura portuguesas. Surpreendente ainda, é ouvir hoje o atual secretário de Estado das Comunidades, Dr. José Cesário, escudado no princípio da reciprocidade, delegar a responsabilidade pelo ensino de português nos países de acolhimento. O Dr. José Cesário deverá saber que as políticas e práticas assimilicionistas destes países, sempre obstinada e conscientemente defendidas pelos anteriores governos e pela presidente do Instituto Camões, conduzirão, a curto prazo, à extinção do Português enquanto língua identitária e à integração total da cultura portuguesa nas culturas dos países de residência.
Neste quadro contextual são, no mínimo, assombrosas as declarações ao Jornal Público de 2011-11-14 de Miguel Guedes, porta voz do MNE: “Não basta colocar professores junto de algumas comunidades na Europa, para se poder dizer que há um verdadeiro modelo de ensino da nossa língua”, frisando que “o ensino de Português no estrangeiro foi desde sempre fortemente condicionado por uma gritante falta de visão estratégica”.
Perguntamos, atónitos: a que verdadeiro modelo e a que gritante falta de visão estratégica se referia a luminária figura do porta-voz do MNE?
Será a visäo estratégica de vários governos em reduzir o EPE a uma simples oferta de cursos e modalidades de ensino, omitindo, sistematicamente, a existência de programas específicos para português enquanto língua materna, a falta de formação científico-pedagógico dirigida à docência do estrangeiro, independentemente do local de recrutamento, o investimento na investigação científica em domínios ligados ao ensino de português para os luso-descendentes e ainda ao cumprimento de uma a uma avaliação sistémica da rede do EPE?
Temos afirmado e reafirmado há longos anos o facto de Portugal nunca ter tido uma verdadeira política de língua, cultura e identidade para a sua diáspora. Infelizmente, com os partidos políticos no poder tem proliferado a retórica de circunstância e escasseado a ação. Os responsáveis por isso têm nome e todos os governos em regime democrático acumularam, em tal matéria, “omissões, erros e atrasos” que não podem ser esquecidos, para que a História a fazer um dia saiba o que se passou.
Resta-nos uma pergunta: no atual e gravíssimo estado de coisas por que passamos, ainda iremos a tempo?
Amadeu Batel
Linguista, membro do Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP) e Presidente da Comissão de Língua, Educação e Cultura do CCP

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