SINDICATO DOS PROFESSORES NAS COMUNIDADES LUSÍADAS - SPCL
AS PALAVRAS DO SR. SECRETÁRIO DE ESTADO DAS COMUNIDADES PORTUGUESAS
Ou praticar a impraticabilidade (28/03/2012)
As palavras do Sr. SECP à agência Lusa deixam-me sem
palavras, tanto evidenciam o seu desconhecimento e a sua total ignorância
e indiferença sobre o funcionamento do EPE (= Ensino Português no Estrangeiro),
para não falar do futuro do mesmo.
“Durante um período que começará em breve, as pessoas sabem que devem
introduzir na base de dados, com a ajuda dos professores e dos consulados, os
dados referentes aos alunos. Depois, a partir dessa base de dados, vamos
identificar onde temos necessidades e fazer um cálculo do número de professores
indispensáveis em cada local.” - disse o Dr. José Cesário.
Pois é, Sr. SECP, mas antes do “período que começará em breve”, isto é, na
próxima sexta-feira, vai começar a interrupção letiva da Páscoa. São duas
semanas. As escolas estão encerradas, os alunos obviamente não estão lá, muitos
encarregados de educação também tirarão férias... então, quem é que vai avisar
quem e como?
"As pessoas” que vão, em teoria, introduzir os dados, são os pais de mais
de 50.000 alunos, dos quais só um reduzidíssimo número poderá recorrer à ajuda,
não dos consulados, que não estão preparados para isso, mas dos professores de
apoio, que trabalham algumas horas por semana nos serviços de apoio regional
que, esses sim, se situam nos consulados. Os professores, que acabaram de
recolher as inscrições para 2012/2013, agora vão ter de começar tudo de novo.
E depois, vão verificar onde têm necessidades... depois, quando? Quanto
tempo vai demorar o processo? Recolha de dados, avaliação dos mesmos,
identificação das ”necessidades”... Junho, Julho, quando? Há países em que o
ano escolar começa em fins de Julho ... e quando é que os professores vão saber
se têm horário para continuar? Em Agosto? A terem de se apresentar nas
escolas no dia 1 de Setembro? Aqueles que têm escola em Portugal, claro, porque
aos outros espera-os o desemprego. Em dezembro ficaram 33 docentes
desempregados; quantos ficarão agora?
E quanto ao “número de professores indispensáveis em cada local”? Já temos
centenas de alunos sem aulas, outros nunca as tiveram, porque os cursos não
abriram, e alguns estiveram 6 meses sem aulas, porque não foram feitas
substituições. Será que são precisos cálculos transcendentes, para verificar
que há, na realidade, poucos professores para o número de alunos existente?
“No ensino integrado existe um grande investimento dos países de acolhimento
e dos próprios pais” disse o Sr. SECP.
Lamento contradizê-lo, Sr. SECP, mas não existe nada disso. Os alunos do
ensino integrado, em número extremamente reduzido, têm realmente o português
integrado no horário escolar normal, mas nada mais. O investimento dos países
de acolhimento limita-se à cedência de salas e por vezes material, mas o mesmo
acontece no ensino paralelo. E o investimento dos pais é nulo. Os professores
de ensino integrado e os do ensino paralelo são pagos por Portugal e o ensino
é, claro, gratuito.
Isto significa que no EPE irá haver alunos e professores de primeira e
segunda categoria. Os de primeira, do ensino “integrado” vão continuar a ter
aulas normalmente e os professores têm lugar assegurado. Os pais dos outros
alunos têm de pagar 120 euros anuais e, se não pagarem, não há aulas para
ninguém. Aberta discriminação.
De notar que este “ensino integrado” não é fenómeno nem presente de alguém.
Existe principalmente em França, Espanha e parcialmente no Luxemburgo, sendo
condicionado principalmente por um factor: o da existência de alunos
portugueses numa escola em número suficiente para constituir um grupo letivo. A
injustiça é, portanto, óbvia.
[Os alunos] “Vão pagar uma propina de 120 euros por ano. Recebem o manual escolar e têm
acesso à certificação de conhecimentos”. – segundo o Sr. SECP.
Sr. SECP, realmente! O manual escolar? Vamos então passar a ter livro
único? E desconhece que os manuais até ao 6° ano de escolaridade custam cerca
de 20 euros e são suficientes para dois anos, visto que o curso de
Português é apenas uma vez por semana? O que vai suceder aos 100 euros
restantes? E que certificação tão especial é essa? Por que razão deve ser
paga, ou estar incluída no preço? Então os alunos em Portugal pagam pela
certificação da escolaridade feita? E sabia, ou talvez não, que os alunos têm
nota da disciplina de Português, que consta nas cadernetas escolares dos países
de acolhimento? E que sempre foram passados certificados aos alunos que
regressavam a Portugal ou terminavam a escolaridade? Ao que parece, a única
diferença será que a nova certificação não será a título gratuito.
E que dizer do “âmbito da reforma da rede de ensino português no
estrangeiro que está a ser estudada pelo SECP e que o Governo quer implementar
antes do próximo ano letivo”?
Estamos perante um plano de reforma ou um plano de extinção a curtíssimo
prazo? Que dizer de um plano eivado de total secretismo, onde os principais
intervenientes (pais, associações, conselheiros das comunidades, professores e
sindicatos), não são sequer ouvidos? Que dizer de um plano aparecido à última
hora, dias antes do começo das férias e quando as inscrições em vários países
tinham terminado ou estavam a decorrer? Que vão os professores dizer agora aos
pais dos alunos? “Desculpe, eu sei que o senhor já inscreveu o seu filho, mas
vai ter de o fazer de novo e pagar 120 euros.“
Como acha que os pais vão reagir, Sr. SECP? Possivelmente perguntam ao
professor se está a brincar... realmente, antes fosse, mas a situação é
muito, mesmo muito séria.
[O Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas] “Ressalvou contudo que pode haver ajustamentos nos horários”.
Realmente, aqui acertou, Sr. SECP: vai haver e não são poucos. Ajustamentos
e encerramentos. Vejamos o seguinte exemplo: se num grupo de 15 alunos (número
mínimo), com 2 ou 3 horas letivas, 3 pais se recusarem a pagar a inscrição, o
que acontece? Reduzem as horas? Encerram o curso? Não esquecer que o
encerramento de um curso equivale automaticamente a uma redução de horário,
pois um professor tem sempre de 3 a 4 cursos.
Isto significa que o ensino português só sobreviverá nas cidades onde há
grande concentração de portugueses e onde o número elevado de alunos permitirá
manter cursos abertos. Os cursos das pequenas localidades, com 15 ou 20 alunos
por grupo, serão extintos. Ponto final.
E agora pergunta-se: que culpa tem um aluno de viver numa localidade
pequena e com poucos portugueses? Que culpa tem um aluno de ter pais que não
podem pagar a propina? Que fez ele, para deixar de ter direito às aulas de
Português?
E que culpa têm os professores de terem ficado sob a tutela do IC/SECP,
entidades pouco ou nada vocacionadas para este tipo de ensino, que sempre
afirmaram que o mesmo não dava rendimento e que o condenaram à extinção?
Sr. SECP, se não têm interesse pelo EPE, se acham que não dá rendimento, se
acham que não tem nível suficiente para estar num instituto que tem declarada
preferência pelos leitorados, (pois aí não reduziu nem vai reduzir seja o que
for), façam-nos um favor: deixem-nos voltar para o Ministério da Educação!
Nuremberga,
Alemanha, 28 de março de 2012
Maria Teresa Nóbrega Duarte Soares
(Professora
no EPE desde 1982 e Secretária-Geral do SPCL)
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